O que é a singularidade na física?

Em certos pontos extremos do Universo, as equações que descrevem a realidade deixam de funcionar. Como se a própria matemática — ferramenta mais confiável da ciência — se curvasse diante de algo maior, mais denso, mais misterioso. Esses pontos-limite são conhecidos como singularidades. Em linguagem simples, são locais onde a física, tal como a conhecemos, entra em colapso.

Mas o que isso significa exatamente? Onde e por que essas singularidades surgem? E o que os cientistas sabem — ou não sabem 9— sobre elas?

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O termo singularidade tem origens na matemática, designando pontos em que uma função diverge ou se torna indefinida — por exemplo, a divisão por zero. Na física, especialmente na relatividade geral, o conceito foi herdado para descrever regiões do espaço-tempo onde certas grandezas físicas (como a densidade ou a curvatura do espaço) tendem ao infinito.

Representação da singularidade de um buraco negro. (Fonte: Cosmos)

O exemplo mais clássico de singularidade é o centro de um buraco negro. Quando uma alta quantidade de massa é comprimida em um volume suficientemente pequeno, a gravidade vence todas as outras forças conhecidas, levando o colapso a um ponto de densidade infinita — uma singularidade gravitacional. Ali, o tempo e o espaço se distorcem a tal ponto que deixam de ter sentido nos moldes clássicos.

A teoria da relatividade geral, proposta por Einstein em 1915, foi a primeira a prever matematicamente a existência de corpos com esta natureza. Inicialmente, essa ideia parecia exótica demais até mesmo para os físicos. 

Mas em 1939, Robert Oppenheimer e seus colegas demonstraram que, se uma estrela suficientemente massiva colapsasse sob seu próprio peso após esgotar seu combustível, nada impediria a formação de um buraco negro com uma singularidade em seu centro.

Diagrama ilustrativo da estrutura dos buracos negros. (Fonte: NASA)

A estrutura de um buraco negro envolve três regiões fundamentais: o horizonte de eventos (a fronteira a partir da qual nada pode escapar, nem mesmo a luz), o espaço-tempo altamente curvo, e a singularidade central, onde a densidade tende ao infinito.

Na relatividade geral, essa singularidade não é um objeto físico no espaço, mas uma previsão matemática indicando que a curvatura do espaço-tempo se torna infinita. Contudo, muitos físicos acreditam que essa “infinidade” não é real, mas sim um sinal de que a teoria está incompleta — especialmente porque ela ignora os efeitos da mecânica quântica, fundamentais em escalas tão pequenas. Singularidades não estão apenas nos buracos negros

A teoria do Big Bang, hoje a explicação dominante para a origem do Universo, também sugere que, se recuarmos no tempo, toda a matéria e energia do cosmos esteve concentrada em um ponto com densidade e temperatura infinitas — uma singularidade cosmológica.

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Essa ideia surgiu das equações de Friedman e Lemaître, nos anos 1920, ao aplicar a relatividade geral à cosmologia. A descoberta da expansão do Universo, confirmada pelas observações de Edwin Hubble, reforçou essa visão. A extrapolação lógica da expansão atual leva a um ponto inicial onde o volume do Universo era zero e sua densidade infinita.

O início do Universo também seria marcado pela existência de uma singularidade inicial. (Fonte: NASA)

Novamente, os físicos suspeitam que essa singularidade inicial indique a limitação da relatividade geral em lidar com as condições extremas do nascimento do Universo. A esperança está em uma teoria quântica da gravidade, capaz de unir a relatividade com a mecânica quântica.

Na década de 1960, o matemático e físico Roger Penrose, com Stephen Hawking, desenvolveu os famosos teoremas da singularidade. Eles demonstraram, com base apenas em princípios gerais da relatividade, que as singularidades são inevitáveis em certas condições — por exemplo, no interior de buracos negros e no início do Universo. Esse trabalho foi tão fundamental que rendeu a Penrose o Prêmio Nobel de Física em 2020.

Mas o que acontece dentro de uma singularidade? Nenhuma observação direta é possível. Em buracos negros, o horizonte de eventos impede que qualquer informação escape. No Big Bang, estamos limitados ao que podemos inferir a partir da radiação cósmica de fundo e da estrutura atual do Universo.

Para entender o que ocorre nessas regiões, a ciência busca por uma nova teoria fundamental. Entre as candidatas estão:

Gravidade quântica: tenta quantizar o campo gravitacional, assim como o eletromagnetismo foi quantizado com a mecânica quântica.Teoria das cordas: sugere que partículas são vibrações de “cordas” unidimensionais, que podem suavizar as singularidades.Gravidade quântica em loop: propõe que o espaço-tempo é formado por unidades discretas, evitando os infinitos.

Essas abordagens tentam responder se as singularidades realmente existem ou se são apenas artefatos de teorias incompletas.

Aglomerado de galáxias MACS J0717. (Fonte: NASA)

Alguns físicos propõem que o termo “singularidade” é apenas uma forma educada de admitir que a física não sabe o que está acontecendo ali. A presença de infinitos sugere que os modelos atuais extrapolam além do que deveriam. 

Assim, mais do que realidades físicas, as singularidades seriam pontos de ruptura teórica, onde é necessário buscar novos paradigmas.

Contudo, em vez de serem empecilhos, as singularidades são faróis. Elas marcam os limites do que sabemos e apontam para onde devemos olhar. Ao estudar as regiões onde as leis atuais falham, a física encontra suas pistas mais valiosas sobre o que falta para a próxima grande revolução científica.

Se o Universo iniciou-se com uma singularidade e esconde outras em seus buracos negros, então compreender esses pontos extremos pode revelar a própria origem e o destino de tudo o que existe.

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