O atleta fitness que ataca as Big Techs e a cultura incel na internet – TecMundo Entrevista

Saúde, estética e influência se fundem na carreira de Fábio Tavares. Atleta, personal trainer e influenciador, ele usa vídeos curtos no Instagram e TikTok para disseminar não só conhecimentos aprofundados sobre musculação e os benefícios da atividade física, como também reflexões sobre seu papel como pessoa pública nas redes sociais de maior impacto no Brasil e no mundo.

Com 26 anos e sendo bacharel em Educação Física, Fábio integra diferentes nichos de criadores nas redes, como a apelidada “bolha maromba”. Assim como outros influenciadores mais jovens, sua abordagem é mais científica, baseada em estudos. Mas ele não se limita às lições sobre o corpo humano: estende suas opiniões à cultura digital, políticas sociais e às responsabilidades das grandes empresas — especialmente as que controlam redes sociais. 

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O interessante, no caso, é que Tavares vai na contramão do que seu conteúdo costuma representar: é vocal contra Big Techs, aborda a cultura incel na internet e como as redes sociais afetam até psicologicamente seus usuários.

Quem é Fábio Tavares, o Fabinbb?

A carreira de Fábio na internet começou aos 20 anos, como contou em entrevista ao TecMundo. Na época, ele passou a publicar vídeos no TikTok, aderindo ao Instagram três ou quatro anos depois. Hoje, além de criador de conteúdo, Fábio também oferece consultoria para atletas de diversas classes sociais — inclusive aquelas sem acesso a equipamentos de ponta disponíveis em academias pagas.

“Sempre gostei de conversar com as pessoas”, disse Fábio, ao explicar sua motivação para produzir conteúdo digital. “Me sinto potencializado quando estou conversando com os outros e os vídeos me permitem dialogar com pessoas com quem nunca teria contato na vida, sobre assuntos e de formas que não conseguia antes”, pontuou.

Sua produção passa também por uma análise cuidadosa do próprio conteúdo: Fábio observa o comportamento de sua audiência, as tendências do público e os movimentos das redes sociais. Atualmente, sua plataforma preferida para publicações é o Instagram — ainda que faça críticas à forma como Mark Zuckerberg conduz as revisões de moderação de conteúdo.

“Comecei a parar de ver a aba de Reels porque em um dia vi três assassinatos. O algoritmo está muito estranho. Ele chega a mostrar carros passando em cima de cabeças de crianças em estacionamentos de prédio, sabe? Alguém pegou a câmera de segurança, postou no Instagram. E o Instagram achou que, com milhões de visualizações, aquilo era algo válido para ser visto, sabe?”, questiona.

“Então agora além de poder chamar alguém gay de doente mental, você pode mostrar uma pessoa sendo mutilada como se fosse nada em uma rede social que, teoricamente, a idade mínima é 13 anos? E sem um aviso de conteúdo sensível, já que antes pelo menos tinha”.

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Atleta de musculação há 12 anos, Fábio acompanhou os primeiros momentos da bolha fitness brasileira, citando o personal trainer e criador de conteúdo Leandro Twin como referência — também divulgador científico e um dos maiores influenciadores da cena.

Redes sociais como ferramenta política

As mídias sociais deixaram de ser apenas espaços de conexão entre amigos e familiares para se tornarem verdadeiras instituições de formação de identidades. O algoritmo de recomendação, por mais refinado e individualizado que seja, catalisa tendências — inclusive as mais problemáticas. No centro desse furacão estão os usuários jovens e adultos, maioria tanto na audiência quanto na produção de conteúdo: 48,66% dos 2 milhões de influenciadores brasileiros têm entre 25 e 34 anos, segundo a Influency.me.

Ciente da própria responsabilidade, Fábio vai além da divulgação científica: aborda ainda temas como sexualidade, papéis de gênero e masculinidade.

“Não fujo das características da sociedade. Penso como um homem brasileiro do meu tempo e preciso fazer o esforço de ir ativamente contra o meu pensamento natural”, afirma. “Estou imerso nessa sociedade e a superestrutura dela vai guiar nosso pensamento”.

Nesse ponto, Fábio confronta diretamente a cultura redpill: “O que levou homens a pararem para pensar em que nível de capacidade conseguiriam vencer um gorila? Isso revela muito sobre como a cultura é pensada e refletida comercialmente — e por que funciona tão bem em certos pontos. O ‘redpill’ cresce muito, e os ‘Legendários’ são uma nova rede de descoberta da masculinidade, um tipo de ‘cristianismo 2.0’”, analisa.

Redpill: ou “pílula vermelha”, é um movimento cultural digital que discute masculinidade, comportamento social e valores progressistas. Frequentemente, promove críticas ao feminismo e enaltece dinâmicas tradicionais de poder nas relações.

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O confronto com a “cultura woke”

Em paralelo ao culto à masculinidade, surge o movimento incel — abordado, por exemplo, na série Adolescência. Essa tendência cultural exalta a figura masculina, geralmente posicionada como símbolo de poder e soberania, e rejeita de forma veemente a “cultura woke”, movimento que promove a conscientização sobre justiça social, igualdade e diversidade.

O termo woke (do inglês “acordar” ou “despertar”) tem origem na comunidade afro-americana. Com o tempo, a gíria passou a representar posturas políticas progressistas, associadas a estar atento e vigilante às injustiças sociais. A expressão ganhou força principalmente com a ascensão do movimento Black Lives Matter.

“Qualquer coisa que não seja feita ou pensada para o público masculino, hétero e cisgênero já é taxada como ‘woke’”, critica Fábio. “Se eu faço algo para o público afro, já é ‘woke’. ‘Pantera Negra’ não é tanto porque o protagonista ainda é um homem. Mas, se colocam uma mulher negra, aí é ‘woke’, porque foge muito dos ciclos de consumo estimulados”.

No universo fitness, há reflexos claros dessa resistência aos valores progressistas — e Fábio percebe essa onda. Bissexual, o influenciador afirma ser alvo frequente de piadas homofóbicas nas redes sociais, mas vê na própria transparência uma oportunidade para abordar temas geralmente evitados por outros criadores.

“O fisiculturismo é um esporte homoafetivo — são homens olhando para homens; admirando homens; a forma física de homens; amando homens”, pontua. “Isso já tem um aspecto que muitos evitam discutir, especialmente quando envolve o lado emocional masculino”.

Anabolizantes e a crítica à venda de “lifestyle”

O debate sobre o uso de anabolizantes é constante no meio da musculação. Embora o consumo não seja ilegal, a venda irregular é crime. São comuns as apreensões de substâncias vendidas de forma clandestina, especialmente por apps de mensagens.

Essas drogas são usadas, principalmente, por fisiculturistas de alto nível — e existem categorias específicas para atletas que fazem uso de esteroides. No Brasil, há profissionais que assumem o uso, enquanto outros preferem não tocar no assunto devido ao estigma.

“Tenho a perspectiva de que o público da musculação brasileira é conservador nos costumes, mas não em algumas práticas, como o uso de esteroides”, avalia Fábio, que já utilizou substâncias durante sua jornada. “O pessoal é aberto ao uso, apesar do movimento dos atletas naturais crescer. É uma dicotomia: o fisiculturista que usa 500 substâncias e é liberal e a pessoa que faz um treino leve na academia é mais conservadora”.

A opinião pública sobre os anabolizantes sofre influência direta de conteúdos estrangeiros, especialmente das competições internacionais. “A endeusação do esteroide vem de fora. O documentário Bigger, Stronger, Faster mostra bem como é a história nos EUA. Lá, quando o governo pune um usuário, ele vira anti-herói nacional”.

“Antes, era um jogador de beisebol o herói do país. Quando descobriram que ele usava bomba, começou a ser tratado como lixo, uma subespécie. Então, existe esse culto de que o anabolizante faz de você um herói, mas ao mesmo tempo, se usa, você é pior que lixo.”

O artigo 273 do Código Penal brasileiro define como crime hediondo a falsificação, adulteração ou alteração de produtos terapêuticos ou medicinais. A pena é de 10 a 15 anos de reclusão, além de multa.

Fábio também analisa influenciadores que vendem “lifestyles” ostentatórios — uma realidade distante da bolha maromba, onde o culto ao corpo supera o culto ao luxo. “Acho que a bolha fitness vai expandir para um lado mais social. O Brasil está em crise e mais da metade da população não tem condições nem de comprar suplemento, quanto mais pagar uma academia”.

Produtos como whey protein e creatina, entre os mais populares entre praticantes, costumam ter grande variação de preço. Cada marca adota uma estratégia, embora, teoricamente, os produtos sejam semelhantes do ponto de vista nutricional.

Polarização vende, e as big techs sabem disso

Reter a atenção dos usuários é o principal objetivo de qualquer rede social — essa atenção garante maior engajamento, visualizações de publicidade e, claro, mais dados. Por isso, entender o comportamento humano é crucial, e criar publicações que despertem fortes emoções tende a ser uma estratégia eficaz. O debate moral, nesse contexto, costuma ser ainda mais cativante.

Essa é a tese defendida pelos psicólogos William J. Brady e Ana P. Gantman no artigo Attentional capture helps explain why moral and emotional content go viral (“A captura de atenção ajuda a explicar por que o conteúdo moral e emocional se torna viral”, em tradução livre). O estudo conclui que posts relacionados a debates sobre moral, bons costumes e valores pessoais captam mais atenção do que publicações neutras.

Confira o estudo na íntegra (em inglês): Why Moral Emotions Go Viral Online

O impulsionamento orgânico de conteúdos com forte carga moral também traz consequências, como o aumento da polarização social e política. Por isso, discute-se a responsabilidade que cada rede social tem sobre o que é compartilhado por seus usuários — e, hoje, o Supremo Tribunal Federal entende que sim, elas são responsáveis pelo material publicado em suas plataformas.

Do outro lado, a moderação de conteúdo precisa se equilibrar em uma linha tênue entre a liberdade de expressão e a criminalização de discursos ofensivos ou violentos. Mais recentemente, as principais plataformas têm caminhado para uma vigilância mais branda: a Meta substituiu a checagem oficial de fatos por notas da comunidade e revisou suas diretrizes; o YouTube seguiu o mesmo caminho — mas sem alarde.

Ciente dessa transição, Fábio pretende agir de forma mais incisiva e testar os limites do algoritmo. “Se a moderação daqui [do Instagram] acabar, vou meter o zaralho. Sou muito contido no meu conteúdo, nas críticas que faço, mas se a moderação da internet e das redes permitir que eu faça o que realmente quero, vou mostrar todo o extremismo que é possível ser feito aqui dentro”, pontuou em entrevista.

“Claro, não farei violências contra pessoas, mas vou mostrar os massacres indígenas que acontecem com frequência e colocar na tela para que as pessoas vejam”, disse Fábio. “Se eu faço isso agora, o conteúdo é removido. Agora, se eles acabarem com a moderação, vou mostrar”.

 

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