Núcleo atômico criado por cientistas precisa perder prótons para sobreviver

Quando estudamos radioatividade na escola, aprendemos que os núcleos instáveis de átomos emitem partículas alfa (2 prótons + 2 nêutrons juntos), partículas beta (elétrons ou pósitrons), ou raios gama. No entanto, emitir um próton individual e isolado é uma coisa completamente diferente e muito mais difícil.

Por isso, a descoberta recente do núcleo atômico mais conhecido por decair por emissão de prótons, anunciada por pesquisadores do Laboratório Acelerador da Universidade de Jyväskylä, na Finlândia, pode ser considerada um marco significativo na física nuclear moderna. Afinal, como ambas as partículas têm carga positiva, elas se repelem violentamente. 

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No estudo publicado na revista Nature Communications, os autores confirmaram, pela primeira vez em quase 30 anos, a existência de um novo emissor de prótons mais pesado. Isso significa que, embora teorizado, é a primeira vez que o astato-188 (188At) — com 85 prótons e 103 nêutrons — foi produzido artificialmente em laboratório, observado e caracterizado em suas propriedades.  

Por que um novo emissor de prótons mais pesado só foi descoberto 30 anos depois?

Primeira autora do estudo, Henna Kokkonen, no Laboratório de Aceleradores da Universidade de Jyväskylä. (Fonte: Tommi Sassi/Divulgação)

Quando o comunicado de imprensa afirma que esta é “a primeira descoberta em 30 anos”, isso significa que não se identificava um novo emissor de prótons mais pesado desde 1996, quando os cientistas revelaram que o bismuto-185 emitia prótons. Mas, durante essas três décadas, os físicos nucleares continuaram a busca, aprimorando técnicas experimentais.

Por isso, o sucesso dessa equipe constitui uma conquista técnica excepcional, levando-se em conta os desafios impostos pelos tempos de vida ultracurtos e as baixíssimas taxas de produção. Os autores utilizaram reações de fusão-evaporação sofisticadas, bombardeando alvos de prata com feixes de estrôncio-84. A “sopa” de núcleos resultantes foi “filtrada” por um detector RITU. 

Os resultados teóricos revelaram propriedades estruturais fascinantes de um núcleo com forma prolata (alongada como uma melancia). Essa forma específica facilita o chamado tunelamento quântico dos prótons, ou seja, fenômeno em que uma partícula consegue “atravessar” uma barreira de energia mesmo sem possuir energia suficiente para vencê-la diretamente.

Impacto da descoberta do astato-188

O Astato-188 pode dar pistas sobre como isótopos instáveis se formam e decaem em supernovas. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

A descoberta do isótopo 188At não é só um avanço importante na física nuclear. O comportamento diferenciado do próton nesse núcleo exigiu reformulações no modelo de quasipartículas não adiabáticas (partículas efetivas dinâmicas), permitindo análise de núcleos altamente deformados e estabelecendo novos parâmetros analíticos.

Essas descobertas fornecem informações inéditas sobre interações próton-nêutron próximas à linha de gotejamento de prótons, ou seja, o limite onde um núcleo atômico tem tantos prótons que está à beira da instabilidade (transbordamento). As medições mostraram comportamentos inesperados, aprimorando modelos para prever outros isótopos raros.

Leia também: Medição de prótons pode oferecer respostas sobre o início do universo

As implicações práticas se estendem à medicina nuclear e astrofísica moderna. Embora o 188At não seja clinicamente aplicável, seus insights estruturais contribuem para o desenvolvimento de isótopos radioativos terapêuticos. Na astrofísica, o comportamento desse núcleo radioativo pode dar pistas sobre como isótopos instáveis se formam e decaem em supernovas. 

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